sábado, 5 de dezembro de 2009

Carta aberta da organização de mulheres negras CRIOLA para aluna da UERJ vítima de racismo

No último dia 28, Dandara Jacqueline Matulino da Silva, aluna do curso de Serviço Social da UERJ foi vítima de crime de racismo praticado por colegas seus, em frente ao campus da universidade. Ao tentar denunciar, a aluna se deparou com solicitações absurdas por parte da polícia: ela deveria informar os nomes, números dos documentos de identidade e endereços dos denunciados .

“Uma voz”

Cara Dandara,
Mesmo estando ainda sob o impacto de seu relato, gostaríamos de, em primeiro lugar, registrar nosso apreço e admiração pela iniciativa comprometida e corajosa de tornar públicas as passagens do episódio de racismo e violência de gênero, lamentavelmente, vivenciadas por você há poucos dias. O racismo que se manifestou nas palavras de seu agressor, como você bem diz, é o mesmo que perpassava o ato de violência física e psicológica praticado por este – porque fazia com que ele imaginasse ter o direito de agir de tal forma. O racismo continuou impresso no descaso com que a polícia tratou sua denúncia e, até mesmo, no pedido de “deixa disso” feito pelo colega que acompanhou parte do acontecido.
Como você já sabe – e a conclusão depreende-se de sua atitude - o racismo, bem como as injustiças e dores que certamente o acompanham, só serão superados através de gestos de indignação e resistência como o seu: pegando emprestadas as suas palavras “uma voz” que não silenciou diante de formas tão ostensivas de violência. Por estes motivos, CRIOLA vem através das linhas que se seguem cumprir o objetivo duplo de oferecer apoio e congratulação por seu gesto, que ilustra e materializa o repúdio, o qual compartilhamos, pelo racismo e pelo sexismo, entranhados não só nas ações do criminoso, mas também na postura dos agentes do Estado que exigiram de você, a vítima - é bom que se destaque - dados dos quais não poderia dispor no momento, com a evidente intenção de inviabilizar a oficialização do registro de ocorrência.
Por mais redundante e absurdo que pareça, temos de ressaltar que É DEVER DA POLÍCIA INVESTIGAR DENÚNCIAS não da(o) denunciante. Você pode ainda recorrer ao Centro Integrado de Atendimento à Mulher (CIAM) , que presta serviços de assistência jurídica, psicossocial e de acompanhamento de casos envolvendo mulheres em situação de violência e discriminação; e ao Ministério Público.
Tão ou mais grave do que a atitude de alguns de seus colegas de universidade, é a postura de agentes da lei tentando obstruí-la em nome da perpetuação de uma espécie de ciclo no qual a sociedade, o Estado e suas autoridades vêm, constantemente, reiterar cumplicidades com as múltiplas formas opressão vividas pelas mulheres negras. Isso tem de acabar e entendemos que para tal é necessário que nos movimentemos e estejamos constantemente prontas a defender nossos direitos. Por isso, exigimos da polícia que apure os dois crimes, tanto o de racismo ocorrido em frente ao campus da UERJ, quanto o de seus próprios agentes (cuja conduta foi deplorável diante da gravidade dos fatos). Da universidade cobramos posicionamento, por considerar que o racismo, em todas as suas dimensões, demanda respostas. E que a reticência, neste caso, acabaria sinalizando certo nível de conivência da instituição com práticas discriminatórias - e é importante mencionar que a UERJ, ao contrário, vem dando várias demonstrações de seu apoio à luta antiracista (e esperamos que, desta vez, continue). Queremos que a universidade – na figura de seu reitor - se pronuncie publicamente repudiando o racismo e qualquer tipo de discriminação, além disso, que se comprometa com o desenvolvimento de ações informativas e educativas antiracismo.
CRIOLA, ao longo de sua trajetória política, além de apoiar e instrumentalizar meninas e mulheres negras na luta antiracista e antisexista, sempre as enxergou enquanto verdadeiras agentes de transformação da sociedade e protagonistas dos processos de ruptura com a reprodução de comportamentos, práticas e estruturas permeados pelas discriminações. E é assim que encaramos a sua mensagem. Que embora narre um episódio lamentável, dá conta, ao mesmo tempo, de politizá-lo. É, inegavelmente, um relato que nos inspira a continuar na luta.
Conte conosco,
CRIOLA .


* Carta aberta de Dandara Jacqueline Matulino da Silva aos alunos da UERJ

Rio de Janeiro, 30 de Novembro de 2009.
Carta aberta aos alunos da UERJ

No sábado por volta das 5:30 min. da amanhã, ao sair de uma festa em casa de uma amiga, em Vila Isabel, passei em frente a UERJ com o intuito de pegar o ônibus de volta para casa, localizada no bairro da Penha. Estava acompanhada de mais três amigos, quando paramos para conversarmos com mais três rapazes, que por motivos desconhecidos estavam em frente ao portão principal da UERJ à Rua São Francisco Xavier.
Distancie-me do grupo para ver se o ônibus estava vindo e ao me aproximar um dos amigos, relatou-me que um dos meninos do outro grupo, cujo nome é Felipe e cursa engenharia, me chamou de chipanzé em uma atitude altamente desrespeitosa e racista.
Indiguinada fui tirar satisfação com o Felipe que, a principio negou o fato e partiu para cima de mim tentando me agredir, e o meu amigo imediatamente ligou para a policia e denunciou o racismo.
Um dos amigos do Felipe, João também do mesmo curso, chamou Ricardo de fofoqueiro, e o agrediu com um soco no rosto, iniciando uma briga que foi apartada por todos.
Enquanto aguardávamos a viatura policial, que demorou cerca de 30 minutos, fomos abordados por um outro amigo do Felipe, do qual não me lembro o nome, mas sei que pertence ao CAENG (Centro Acadêmico de Engenharia) e do próprio DCE da UERJ, tentou contornar a situação me pedindo que para ir embora e esquecer o ocorrido. O rapaz ainda disse que não se lembrava de nada que tinha ocorrido, mesmo tendo ajudado a separar e a acalmar a situação. Como a patrulha estava demorando fomos até a cabine policial que próximo a estação Maracanã do metrô para tentar fazer algum contato e relatar a denuncia. Com a chegada da viatura policial eu, um colega que havia feito a denuncia através do 190 e o Ricardo que foi agredido, fomos encaminhados para a 18° D.P. que esta localizada na Praça da Bandeira. Chegamos na dita delegacia ás 6:00 hrs, fomos informados pela detetive Rosângela que precisaríamos de mais dados como nome, RG, endereço dos denunciados para registrar a ocorrência, que seria praticamente impossível informar.
É da ciência de muitas pessoas que fatos como esse são comuns nas universidades e na sociedade brasileira. Porém, quando classifico como comum, não significa que esse ou outros atos preconceituosos de maneira geral, podem ser naturalizados e tratados como normais. Sei que sou uma voz e que preciso de muito mais que isso para provocar mudanças necessárias na sociedade, principalmente na questão racial. Que devido ao imaginário brasileiro da democracia entre as raças que muitos acreditam existir, impede uma discussão de como tratar esses fatos quando realmente acontece.
Minha luta não é somente contra um racista específico e sim contra o próprio racismo que precisa ser combatido com conscientização e educação para que Crimes, como esse de que fui vitima e muitas outras pessoas não ocorram mais.
Não espero estar só nesta luta que não somente fica no campo racial, mas também indígenas, nordestinos, homossexuais, mulheres e de qualquer um que sofra preconceito neste país.
Para que essa luta seja objetiva, proponho junto as organizações de luta desta universidade e nas demais que façam seminários, discussões, campanhas e etc. que possamos discutir um meio para combater esse e outros tipos de descriminações nesses e em qualquer outros espaços.

Dandara Jacqueline Matulino da Silva
Graduanda da Universidade Federal Fluminense do curso de Pedagogia e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro do curso de Serviço Social

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