quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A História de uma conquista: a condenação da Sony Music por difundir conteúdos racistas





Quase cinco anos após decisão judicial ainda há obstáculos para que a indenização chegue a seu destino

Mais de uma década se passou do início de uma disputa travada nos tribunais, mas repercutida intensamente na mídia e no interior da sociedade brasileira. O processo contra a gravadora Sony, que terminou com a sua condenação, trouxe a baila intensos debates sobre o racismo, o sexismo e sobre a reprodução destes discursos no comércio de produtos culturais. Para muito além da compensação indenizatória, a decisão histórica da justiça brasileira teve e tem, ainda hoje, papel fundamental ao alavancar a visibilidade da luta pelo reconhecimento dos direitos da população negra - sobretudo, das mulheres negras - e por mais respeito no trato com a questão racial. O caso também suscitou impactos diretos no âmbito da superação do racismo e de seu lastro de violência simbólica.

“Este tipo de ação é importante. Os movimentos negros têm de estar preparados para atuar apresentando denúncias ao Ministério Público que é um braço do Estado atuante em qualquer lugar”. Destaca Luciene Marcelino, integrante do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA), uma das instituições que acompanhou e apoiou a ação jurídico-política.

Porém, a conquista não veio de graça. Somente após 8 anos da disputa – iniciada por Criola e Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) -, as organizações e entidades negras que, ao longo deste tempo, vieram cerrando fileiras no apoio ao processo, conseguiram vencer a batalha judicial que abriu precedentes históricos no campo da luta anti-racista no Brasil. A condenação da Sony Music, nesse caso, foi atribuída à veiculação da música “Veja o Cabelo Dela” do cantor Francisco Everaldo Oliveira Silva, o Tiririca. A canção recheada de insultos e idéias degradantes referindo-se a mulher negra foi finalmente, no ano de 2005, julgada como de cunho racista pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Paradoxalmente, segundo o próprio cantor, a música seria uma “homenagem” a sua então esposa. Detalhe que ilustra com perfeição o grau de imersão da sociedade em dinâmicas que multiplicam e naturalizam discriminações.

O processo começou em 1997, após denúncia apresentada ao Ministério Público, inicialmente, contra o cantor Tiririca; o diretor-presidente da gravadora, Roberto Augusto e o diretor de marketing Luiz André Calainho. No ano seguinte, o juiz Carlos Flores da Cunha, da 23º Vara Criminal do Rio de Janeiro, absolveu Tiririca da acusação de racismo, alegando que o cantor não teve intenção de ofender as mulheres negras. Diante da decisão, mais uma vez, a militância negra se mobilizou e, novamente recorrendo aos tribunais por meio de uma articulação formada por Criola, Caces, Cedenpa, Maria Mulher, Nzinga, Geledés, Imena, Fala Preta!, Casa de Cultura da Mulher Negra, Acmun , Ceap, Ipcn, Grucon e Ipdh, conseguiu, em 2005, que a Sony Music fosse condenada por dois votos a um, a pagar uma indenização cujo valor correspondia ao total arrecadado com a vendagem do disco de Tiririca (cerca de R$ 300.000,00). O dinheiro seria revertido para um fundo de apoio a projetos de enfrentamento do racismo, mas, até hoje não seguiu o destino designado pela determinação judicial.

“É um caso importante. A música além de muito mau gosto apresentava componentes raciais fortes. Foi deferida uma indenização a partir da junção vitoriosa do movimento negro e, sobretudo, da articulação de mulheres negras brasileiras. Me sinto orgulhoso de ter atuado neste caso ao lado da ONG Criola e demais entidades”. Diz o então advogado do caso e hoje Ouvidor da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR), Humberto Adami.

Desde a ocasião de sua condenação até hoje, a Sony contesta a quantia estipulada para a indenização. A gravadora alega que o valor - atualmente corrigido - não coincide com o arrecadado pela venda do disco. O que vem atrasando, consideravelmente, a transferência de um montante que já deveria, inclusive, ter sido direcionado ao apoio de ações e projetos de enfrentamento do racismo.

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